sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Oração vs Reputação

Hoje começamos uma nova série sobre “Oração”.
Creio que esta é, e quando a mim falo, uma das disciplinas espirituais que menos praticamos. Talvez por não lhe darmos a devida importância pelo menos na forma como a encaramos na nossa vida.
É fácil encontrarmos momentos na nossa vida onde haja quietude para estarmos em comunhão com Deus?
É verdade que muitas coisas acontecem nesta vida para retirar a primazia de Deus na nossa vida como tirar tempo na nossa caminha cristã*. Mas também é verdade que quando queremos ter tempo para aquilo que desejamos, com mais ou menos dificuldade, conseguimos.
A desculpa do tempo é, quanto mim, uma das maiores falácias porque na verdade estamos a dizer que quem ora é porque não faz muito na vida e isso, até historicamente, não é de todo verdade.
Por outro lado, quando temos orado, quais têm sido as nossas reais motivações?
É precisamente sobre isto que iremos meditar hoje.
Vamos ler alguns versículos de Mateus 6 e depois, nos próximos Domingos, iremos olhar para a oração do “Pai nosso”.
Hoje o subtema da pregação é “oração vs. reputação”.
Mateus 6:1, 5-8
Estes versículos fazem parte do “sermão do monte” onde Jesus deu conselhos bastante práticos aos seus discípulos sobre a vida cristã.
Relembrar que o evangelho de Mateus foi escrito para os judeus os quais têm 3 actos considerados piedosos: a esmola, a oração e o jejum.
São precisamente os aspectos que Jesus tratou desde o v1 deste capítulo 6 até ao v18.
Para compreendermos melhor os versículos que iremos estudar - v5 ao v8 - precisamos entender a ligação à verdade central que se encontra logo no v1.
1 Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste.
A expressão “guardai-vos” perde-se muito na tradução para português.
No original esta palavra significa “estar em estado de alerta para saber responder de forma adequada a qualquer situação”.
Jesus, nestas palavras, estava a alertar os discípulos sobre o perigo da hipocrisia espiritual no dia-a-dia.
O que significa “hipocrisia espiritual”?
É fazermos alguma coisa com a motivação de sermos bajulados pelas pessoas.  Isto é algo que pode acontecer connosco quase sem darmos conta.
Como avaliar a nossa motivação?
Pensemos um pouco: se as nossas obras não forem admiradas por aqueles a quem servimos, como reagimos? Ficamos deprimidos? Angustiados? Revoltados? Tristes? Com vontade de desistir?
Se isso acontecer, convém analisarmos o nosso coração para percebermos qual tem sido a nossa motivação.
No v2 ao v4, Jesus falou sobre as esmolas mostrando que o problema não era o dar, mas o querer receber louvores pelas ofertas que se dão.
Foi por isso que Jesus disse que quando dermos as nossas ofertas “a nossa mão esquerda não deve saber o que dá a direita” … nada de publicidade.
A partir do v5 Jesus falou sobre a oração…
5 E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam (amam) de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa.
Este versículo começa logo com uma conjunção “e” que liga à verdade central que vimos no v1.
É curioso notar que Jesus ao dizer “e, quando orardes” assume desde logo que os seus discípulos têm uma vida de oração como que a dizer que “a oração está para o cristão como o oxigénio está para uma pessoa”. É vital.
Vamos perceber algumas coisas neste versículo:
1.      A atitude que Jesus condenou;
2.      Os actos que revelavam essa atitude;
3.      O objectivo da hipocrisia;
4.      A consequência da hipocrisia;
1.      Atitude - “quando orardes, não sereis como os hipócritas”
Jesus disse aos seus discípulos que quando orarem não deviam ser como os hipócritas.
A palavra “hipócrita” era usada para descrever o “actor ou actriz”.
A ideia é mostrar que o “hipócrita” é aquele que pretende mostrar aos outros aquilo que na verdade não é. Deseja convencer também os outros de uma moral que não tem e nem sequer tenta vivê-la.  
Como podemos ver se estamos a ser hipócritas nas nossas orações? Através dos nossos actos.
2.      Actos: “porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças”
É preciso saber que Jesus não criticou a oração que é feita em pé.
Há uma tendência, na ala mais conservadora, que a oração ou a leitura da Palavra de Deus deve ser lida em pé. Na Bíblia vemos que estas duas disciplinas espirituais eram feitas de todas as formas.
O problema pode estar na atitude com que se faz as coisas e não na forma.
A forma é sempre uma forma e muitas vezes isso é circunscrito a um determinado contexto. Logo, a forma não pode ser mais importante do que a essência.
Jesus criticou, sim, as orações feitas em determinados sítios, como nas sinagogas e nos cantos das praças*, porque queriam cumprir um determinado objectivo… o objectivo dos hipócritas.
Qual seria?
3.      Objectivo: “para serem vistos dos homens”.
A ideia era fazer algo que fosse visto e admirado pelas pessoas ao dizerem, por exemplo: “que pessoa extraordinária”; “que maravilha”; “quem me dera ser assim”; “talvez ele tenha muito para nos ensinar”; “um dia tenho que ser assim”; “esta pessoa é perfeita”.
Contudo, a oração sem hipocrisia deve surgir como consequência de uma devoção sincera pela certeza de quem Deus é e por aquilo que Ele fez na nossa vida.
4.      Consequência: “em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa”.
Aqueles que procuram o reconhecimento dos homens, na verdade, receberão unicamente o louvor dos seres humanos em vez do louvor da parte de Deus.
O que desejamos quando fazemos alguma coisa?
Reagimos mal quando algo não é feito como queremos?
Se reagirmos mal, não poderá ser um indício de uma atitude errada na nossa vida?
Pensemos: desejamos o louvor humano (devemos admitir que sabe bem) ou o louvor divino (não se ouve, não se vê, mas traz uma paz incrível)?  
6 Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
Jesus virou-se para os discípulos e disse-lhes “tu, porém”.
A palavra “porém” é uma conjunção adversativa e mostra-nos que aquilo que vem a seguir é totalmente diferente do que foi dito anteriormente.
Vamos ver o contraste na atitude, nos actos, no objectivo e na recompensa.
1.      Atitude: humildade que é totalmente contrária à da hipocrisia.
Como ver se temos sido humildade? Nos actos…
2.      Actos: “quando orares, entra no teu quarto e, fecha a porta”
Jesus assume, mais uma vez, que a oração é uma realidade na vida do cristão.
E, ao orarem, deviam entrar no quarto - uma despensa sem janelas que as casas tinham - e depois fecharem a porta.
Jesus pretendeu mostrar assim que as pessoas não devem orar com a motivação de serem vistas ou contempladas pelos outros.
Mais uma vez… estamos a falar da essência ou atitude dos actos e não na forma.
Obviamente que nós podemos e devemos orar em público, como num restaurante*, até porque, no limite, podemos não ter esta despensa em casa.
Qual o objectivo de Jesus dizer estas palavras?
3.      Objectivo: “orarás a teu Pai que está em secreto
Precisamente para sabermos que a oração deve ser para Deus porque é Deus que tem de ser louvado enquanto oramos.
É Deus que tem de estar no centro das nossas orações.
Isto pode parecer trivial. Mas se olharmos para a parábola do fariseu e publicano poderíamos ver que o fariseu orava para si contemplando os seus feitos além de dizer mal do publicano.
O fariseu usou a sua suposta vida espiritual como um feito e para fazer-se superior aos outros.
Este é um aviso sério para nós:
Temos orado a quem?
Temos contemplado os feitos de quem?
Temos usado a oração para dizer mal de alguém*?
Se a oração for dirigida a Deus e tivermos o desejo de glorificá-lo, certamente que haverá uma consequência
4.      Consequência: “te recompensará”.
Jesus é muito claro que se tivermos a atitude correcta seremos “recompensados”.
Esta palavra não significa de alguma forma que Deus nos deve algo e então recompensará pelo que fizemos.
A resposta às nossas orações serão sempre manifestações de Graça de Deus… não são uma resposta ao nosso merecimento.
A ideia do versículo é a seguinte: “Deus manifestará o Seu cuidado se orares com a atitude certa”.
7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos.
Jesus continuou a dizer aos discípulos que quando orassem não deviam usar vãs repetições.
Como quem? Como os gentios.
Qual a razão? Os “gentios presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos”.
Quem eram estes “gentios”? Eram aqueles que estavam envolvidos com o paganismo os quais, através de serviços e sacrifícios aos deuses, buscavam os Seus favores. Era um contracto na verdade.
Isto é, cumpres determinados passos ou dizes determinadas palavras e terás os devidos resultados. Basicamente é a ideia do mantra.
Nesse sentido, as “vãs repetições” não estão relacionadas com o pedir várias vezes a Deus sobre algum assunto, mas achar que se usarmos palavras específicas, iremos ter os resultados que queremos.
Também podemos achar que se Deus ficar muito satisfeito com a eloquência da nossa oração aí talvez possa responder.
É muito normal ouvir dizer “eu não sei as palavras certas”. Na oração não interessa as palavras, mas sim a intenção e a motivação com que as dizemos a Deus.
Recordo-me que, quando era mais novo, achava que nunca seria abençoado porque não conseguia fazer, na Igreja, aquelas orações grandescheias de palavras que se repetiam umas às outras porque era sempre muito conciso e objectivo.
Depois, à medida que fui crescendo, a nível de maturidade, comecei a perceber que havia muita repetição e aquilo que tinha sido dito em 5 minutos bastava ter dito num minuto.
No meu ponto de vista, creio que também podem ser vãs repetições se estas palavras não surgirem de um profundo desejo de estar a falar com Deus.
Além disso, creio que deve haver diferença entre a oração pessoal e a oração feita na Igreja (falaremos sobre isso nesta série).
Também não devemos cair no outro extremo de fazer orações tão curtas que parece que estamos quase a cumprir um dever* para sermos abençoados ou fazermos para cumprir algo como se de um ritual ou formalismo tratasse.
8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais.
Jesus foi bem enfático ao dizer que não nos devemos “assemelhar” ou ser como aquelas pessoas (os gentios) que achavam que se cumprissem determinados passos ou usassem certas palavras iriam ter um o seu desejo cumprido tal como, conforme vimos, um contracto.
No nosso meio cristão, essas coisas podem acontecer como por exemplo a chamada “oração do pecador”: a pessoa faz aquela oração e é salva. Ou a oração da “cura”. Ou a oração da “libertação”.
Lembremo-nos que na vida cristã não há nenhum contracto porque Deus não é obrigado a dar nada. Há, sim, algo bem mais forte e melhorhá uma aliança firmada pela sua graça e pelo seu amor.
No casamento, nós trocamos a aliança com o nosso cônjuge para mostrar que só a morte nos deve separar.
No Evangelho, Deus faz uma aliança connosco e nem a morte nos irá separar. Alias, vai unir-nos ainda mais pois vai ser algo pleno, perfeito e para todo o sempre.
Jesus foi claro neste versículo… nós devemos orar sem pensar que há formulas mágicas para termos algo. Devemos orar, sim, com uma enorme confiança sabendo que Deus sempre soube o que era melhor para os Seus filhos antes mesmo de lhe pedirmos.
Oremos não para mostrar a Deus as nossas necessidades, como se Ele não soubesse, mas oremos para submetermos a nossa vontade e a nossa necessidade àquilo que Deus tem para oferecer.
A oração não deve servir para mostrar a nossa reputação diante de Deus e dos Homens.
Deve servir, sim, para percebermos como Deus é bom quer nos bons momentos como nas circunstâncias mais duras porque em todo o momento nós devemos ser felizes com Jesus.
Termino com algumas aplicações práticas
Qual tem sido a nossa motivação quando oramos?
Se estivermos preocupados com a nossa reputação espiritual, estamos apenas a desejar que a nossa vida seja glorificada por aqueles que estão à nossa volta.
Se a nossa vida espiritual for “melhor” na esfera pública do que na nossa vida privada*, isso mostrar-nos-á que estamos mais preocupados com a nossa reputação diante dos Homens do que diante de Deus.
Qual tem sido a nossa preocupação?
O desempenho público ou a nossa devoção pessoal?
Braga – movimento ou campanha evangelística – vão para casa*.
Libertemo-nos da pressão de mostrarmos aquilo que na verdade não somos.
Vivamos sem máscaras e aí iremos perceber que vivemos todos na luta… e quem vive na luta será sempre mais humilde com os outros principalmente com aqueles que falham.
Por outro lado, se vivermos com a motivação certa, desejaremos que Deus seja glorificado em todos os momentos da nossa vida mesmo que seja através do nosso sofrimento.
E a oração ajuda a compreender esse propósito e isso irá trazer paz à nossa vida que é muitas vezes tão agitada…
É por isso que há coisas que parecem muito estranhas - como sentirmos paz nestes momentos tão duros - porém compreensíveis quando entendemos que são fruto da graça de Deus e que chegaram até nós por meio da oração.
Nas igrejas o maior problema, muitas vezes, não é a doutrina. O maior problema, quanto a mim, é o coração estar distante das verdades que proferimos.
Que cada um de nós possa descobrir o prazer que há em Deus e que não sejamos como aquele filho que só se aproxima dos pais apenas para pedir coisas sem perceber o valor da intimidade.
Que Deus nos ajude.



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