Hoje começamos uma nova série sobre “Oração”.
Creio que esta é, e quando a mim falo, uma das disciplinas espirituais que menos praticamos. Talvez por não
lhe darmos a devida importância pelo menos na forma como a encaramos na nossa
vida.
É fácil encontrarmos momentos
na nossa vida onde haja quietude para estarmos em comunhão com Deus?
É verdade que muitas coisas acontecem nesta vida para retirar a primazia de Deus na
nossa vida como tirar tempo na nossa caminha cristã*. Mas também é verdade que quando queremos ter tempo para aquilo que
desejamos, com mais ou menos dificuldade, conseguimos.
A desculpa do tempo é, quanto mim, uma das maiores falácias porque na verdade estamos a dizer que
quem ora é porque não faz muito na vida e isso, até historicamente, não é de todo verdade.
Por outro lado, quando
temos orado, quais têm sido as nossas reais motivações?
É precisamente sobre isto que iremos meditar hoje.
Vamos ler alguns versículos de Mateus 6 e depois, nos próximos Domingos, iremos olhar para a
oração do “Pai nosso”.
Hoje o subtema da pregação é “oração vs. reputação”.
Mateus 6:1, 5-8
Estes versículos fazem parte do “sermão do monte” onde Jesus
deu conselhos bastante práticos aos seus discípulos sobre a vida cristã.
Relembrar que o evangelho de Mateus foi escrito para os
judeus os quais têm 3 actos
considerados piedosos: a esmola, a oração e o jejum.
São precisamente os
aspectos que Jesus tratou desde o v1
deste capítulo 6 até ao v18.
Para compreendermos melhor os versículos que iremos estudar
- v5 ao v8 - precisamos entender a ligação à verdade central que se
encontra logo no v1.
1 Guardai-vos de
exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles;
doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste.
A expressão “guardai-vos”
perde-se muito na tradução para português.
No original esta palavra significa “estar em estado de
alerta para saber responder de forma adequada a qualquer situação”.
Jesus, nestas palavras, estava a alertar os discípulos sobre
o perigo da hipocrisia espiritual no
dia-a-dia.
O que significa “hipocrisia espiritual”?
É fazermos alguma coisa com
a motivação de sermos bajulados pelas pessoas. Isto é algo que pode acontecer connosco quase sem
darmos conta.
Como avaliar a nossa motivação?
Pensemos um pouco:
se as nossas obras não forem admiradas
por aqueles a quem servimos, como reagimos? Ficamos deprimidos? Angustiados?
Revoltados? Tristes? Com vontade de desistir?
Se isso acontecer, convém
analisarmos o nosso coração para percebermos qual tem sido a nossa
motivação.
No v2 ao v4, Jesus falou sobre as esmolas mostrando
que o problema não era o dar, mas o querer receber louvores pelas
ofertas que se dão.
Foi por isso que Jesus disse que quando dermos as nossas
ofertas “a nossa mão esquerda não deve
saber o que dá a direita” … nada de publicidade.
A partir do v5
Jesus falou sobre a oração…
5 E, quando
orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam (amam) de orar em pé nas sinagogas e nos cantos
das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já
receberam a recompensa.
Este versículo começa logo com uma conjunção “e” que liga à verdade central
que vimos no v1.
É curioso notar que Jesus ao dizer “e, quando orardes” assume desde logo que os seus discípulos têm uma vida de oração como que a dizer que “a
oração está para o cristão como o oxigénio está para uma pessoa”. É vital.
Vamos perceber algumas coisas neste versículo:
1. A
atitude que Jesus condenou;
2. Os
actos que revelavam essa atitude;
3. O
objectivo da hipocrisia;
4. A
consequência da hipocrisia;
1. Atitude - “quando orardes, não sereis como os hipócritas”
Jesus disse aos seus discípulos que quando orarem não deviam
ser como os hipócritas.
A palavra “hipócrita”
era usada para descrever o “actor ou actriz”.
A ideia é mostrar que o “hipócrita”
é aquele que pretende mostrar aos outros aquilo que na verdade não é.
Deseja convencer também os outros de uma moral que não tem e nem
sequer tenta vivê-la.
Como podemos ver se
estamos a ser hipócritas nas nossas orações? Através dos nossos actos.
2. Actos: “porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças”
É preciso saber que Jesus não criticou a oração que é
feita em pé.
Há uma tendência, na ala mais conservadora, que a oração ou a leitura da Palavra de Deus
deve ser lida em pé. Na Bíblia vemos que estas duas disciplinas espirituais eram
feitas de todas as formas.
O problema pode estar na atitude com que se faz as coisas e
não na forma.
A forma é sempre uma forma e muitas vezes isso é circunscrito
a um determinado contexto. Logo, a forma
não pode ser mais importante do que a essência.
Jesus criticou, sim, as orações
feitas em determinados sítios, como nas sinagogas e nos cantos das praças*,
porque queriam cumprir um determinado objectivo… o objectivo dos
hipócritas.
Qual seria?
3. Objectivo: “para serem vistos dos homens”.
A ideia era fazer algo
que fosse visto e admirado pelas pessoas ao dizerem, por exemplo: “que
pessoa extraordinária”; “que maravilha”; “quem me dera ser assim”; “talvez ele
tenha muito para nos ensinar”; “um dia tenho que ser assim”; “esta pessoa é
perfeita”.
Contudo, a oração sem
hipocrisia deve surgir como consequência de uma devoção sincera pela
certeza de quem Deus é e por aquilo
que Ele fez na nossa vida.
4. Consequência: “em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa”.
Aqueles que procuram
o reconhecimento dos homens, na verdade, receberão unicamente o
louvor dos seres humanos em vez do louvor da parte de Deus.
O que desejamos quando fazemos alguma coisa?
Reagimos mal
quando algo não é feito como
queremos?
Se reagirmos mal, não poderá ser um indício de uma
atitude errada na nossa vida?
Pensemos: desejamos
o louvor humano (devemos admitir que sabe bem) ou o louvor divino (não se
ouve, não se vê, mas traz uma paz incrível)?
6 Tu, porém,
quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que
está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
Jesus virou-se para os discípulos e disse-lhes “tu, porém”.
A palavra “porém”
é uma conjunção adversativa e mostra-nos que aquilo que vem a seguir é
totalmente diferente do que foi dito anteriormente.
Vamos ver o contraste na atitude, nos actos, no objectivo e na
recompensa.
1. Atitude: humildade que é totalmente
contrária à da hipocrisia.
Como ver se temos sido humildade? Nos actos…
2. Actos: “quando orares, entra no teu quarto e, fecha a porta”
Jesus assume, mais uma vez, que a oração é uma realidade na vida do cristão.
E, ao orarem, deviam entrar no quarto - uma despensa sem janelas que as casas
tinham - e depois fecharem a porta.
Jesus pretendeu mostrar assim que as pessoas não devem orar com a motivação de serem vistas ou
contempladas pelos outros.
Mais uma vez… estamos a falar da essência ou atitude dos
actos e não na forma.
Obviamente que nós
podemos e devemos orar em público, como num restaurante*, até porque, no
limite, podemos não ter esta despensa em casa.
Qual o objectivo de Jesus dizer estas palavras?
3. Objectivo: “orarás a teu Pai que está em secreto”
Precisamente para sabermos que a oração deve ser para Deus porque é Deus que tem de ser louvado enquanto oramos.
É Deus que tem de estar no centro das nossas orações.
Isto pode parecer trivial. Mas se olharmos para a parábola do fariseu e publicano
poderíamos ver que o fariseu orava para
si contemplando os seus feitos além de dizer mal do publicano.
O fariseu usou a sua
suposta vida espiritual como um feito e para fazer-se superior aos
outros.
Este é um aviso sério
para nós:
Temos orado a quem?
Temos contemplado os feitos de quem?
Temos usado a oração para dizer mal de alguém*?
Se a oração for dirigida a Deus e tivermos o desejo de
glorificá-lo, certamente que haverá uma consequência…
4. Consequência: “te recompensará”.
Jesus é muito claro que se tivermos a atitude correcta
seremos “recompensados”.
Esta palavra não
significa de alguma forma que Deus nos deve algo e então recompensará
pelo que fizemos.
A resposta às nossas orações serão sempre manifestações de Graça de Deus… não são uma resposta
ao nosso merecimento.
A ideia do versículo é a seguinte: “Deus manifestará o Seu
cuidado se orares com a atitude certa”.
7 E, orando, não
useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito
falar serão ouvidos.
Jesus continuou a dizer aos discípulos que quando orassem não deviam usar vãs
repetições.
Como quem? Como os gentios.
Qual a razão? Os “gentios presumem que pelo seu muito falar
serão ouvidos”.
Quem eram estes “gentios”?
Eram aqueles que estavam envolvidos com
o paganismo os quais, através de serviços e sacrifícios aos deuses,
buscavam os Seus favores. Era um contracto na verdade.
Isto é, cumpres
determinados passos ou dizes
determinadas palavras e terás os devidos resultados. Basicamente é a
ideia do mantra.
Nesse sentido, as “vãs
repetições” não estão relacionadas
com o pedir várias vezes a Deus sobre algum assunto, mas achar que se usarmos palavras específicas, iremos
ter os resultados que queremos.
Também podemos achar que se Deus ficar muito satisfeito com
a eloquência da nossa oração aí talvez possa responder.
É muito normal ouvir dizer “eu não sei as palavras certas”.
Na oração não interessa as palavras,
mas sim a intenção e a motivação com que as dizemos a Deus.
Recordo-me que, quando era mais novo, achava que nunca seria abençoado porque não conseguia fazer,
na Igreja, aquelas orações grandes… cheias de palavras que se repetiam
umas às outras porque era sempre muito conciso e objectivo.
Depois, à medida que fui crescendo, a nível de maturidade, comecei a perceber que havia muita
repetição e aquilo que tinha sido dito em 5 minutos bastava ter dito num
minuto.
No meu ponto de vista, creio que também podem ser vãs repetições se estas palavras não surgirem de um
profundo desejo de estar a falar com Deus.
Além disso, creio que deve haver diferença entre a oração
pessoal e a oração feita na Igreja (falaremos sobre isso nesta série).
Também não devemos cair no outro extremo de fazer orações tão curtas que parece que
estamos quase a cumprir um dever* para sermos abençoados ou fazermos para cumprir algo como se de um
ritual ou formalismo tratasse.
8 Não vos
assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes
necessidade, antes que lho peçais.
Jesus foi bem enfático ao dizer que não nos devemos “assemelhar” ou ser como aquelas pessoas
(os gentios) que achavam que se cumprissem determinados passos ou usassem
certas palavras iriam ter um o seu desejo cumprido tal como, conforme
vimos, um contracto.
No nosso meio cristão, essas
coisas podem acontecer como por exemplo a chamada “oração do pecador”: a
pessoa faz aquela oração e é salva. Ou a oração da “cura”. Ou a oração da
“libertação”.
Lembremo-nos que na
vida cristã não há nenhum contracto porque Deus não é obrigado a dar
nada. Há, sim, algo bem mais forte e
melhor… há uma aliança firmada pela sua graça e pelo seu amor.
No casamento, nós trocamos
a aliança com o nosso cônjuge para mostrar que só a morte nos deve separar.
No Evangelho, Deus faz
uma aliança connosco e nem a morte
nos irá separar. Alias, vai unir-nos
ainda mais pois vai ser algo pleno, perfeito e para todo o sempre.
Jesus foi claro neste versículo… nós devemos orar sem
pensar que há formulas mágicas para termos algo. Devemos orar, sim, com uma enorme confiança sabendo que Deus sempre
soube o que era melhor para os Seus filhos antes mesmo de lhe pedirmos.
Oremos não para
mostrar a Deus as nossas necessidades, como se Ele não soubesse, mas oremos para submetermos a nossa vontade
e a nossa necessidade àquilo que Deus
tem para oferecer.
A oração não deve
servir para mostrar a nossa reputação diante de Deus e dos Homens.
Deve servir, sim, para percebermos como Deus é bom
quer nos bons momentos como nas circunstâncias mais duras porque em todo o momento nós devemos ser felizes
com Jesus.
Termino com algumas
aplicações práticas…
Qual tem sido a nossa motivação quando oramos?
Se estivermos preocupados com a nossa reputação espiritual, estamos apenas a desejar que a
nossa vida seja glorificada por aqueles que estão à nossa volta.
Se a nossa vida espiritual for “melhor” na esfera pública do
que na nossa vida privada*, isso mostrar-nos-á que estamos mais preocupados com a nossa reputação diante dos Homens
do que diante de Deus.
Qual tem sido a nossa preocupação?
O desempenho público ou a nossa devoção pessoal?
Braga – movimento ou campanha evangelística – vão para
casa*.
Libertemo-nos da
pressão de mostrarmos aquilo que na verdade não somos.
Vivamos sem máscaras e aí iremos perceber que vivemos
todos na luta… e quem vive na luta será
sempre mais humilde com os outros principalmente com aqueles que falham.
Por outro lado, se vivermos com a motivação certa, desejaremos que Deus seja glorificado
em todos os momentos da nossa vida mesmo que seja através do nosso sofrimento.
E a oração ajuda a compreender esse propósito e isso irá
trazer paz à nossa vida que é muitas vezes tão agitada…
É por isso que há coisas que parecem muito estranhas - como sentirmos paz nestes momentos tão
duros - porém compreensíveis quando
entendemos que são fruto da graça de
Deus e que chegaram até nós por meio da oração.
Nas igrejas o maior problema, muitas vezes, não é a
doutrina. O maior problema, quanto a mim, é
o coração estar distante das verdades que proferimos.
Que cada um de nós possa descobrir o prazer que há em Deus e que não sejamos como aquele
filho que só se aproxima dos pais apenas para pedir coisas sem perceber o valor
da intimidade.
Que Deus nos ajude.
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